quinta-feira, 27 de novembro de 2014

El Tio De La Mina


El Tio é uma deidade da cultura e tradição boliviana e peruana. É considerado como o deus do mundo inferior em Cerro Rico, Potosí, Bolívia. Nesse país existem muitas estátuas desse espírito das minas. El Tio governa os mundos baixos, oferecendo aos mineiros proteção, mas também ruína e destruição.

Os mineiros fazem oferendas ao El Tio, tais como cigarros, folhas de coca, chicha (bebida fermentada a base de milho) ou aguardente às diferentes estátuas. Acreditam que se El Tio não for alimentado adequadamente, se vingará dos seus súditos, no caso, os mineiros.

Os habitantes de Potosí também sacrificam lhamas em rituais e espalham o sangue na entrada das minas.

Os mineiros de Cerro Rico são católicos e crentes tanto de Jesus de Nazaré como de El Tio. Este último tem sua semelhança com deidades de certas culturas folclóricas católicas relacionadas com o Vudu, da proteção de Legba (Haiti) ou como em certas tradições de Nova Orleans.

A história desse personagem mítico das minas da Bolívia, ocupou as mentes de muitos, antropólogos, escritores e poetas.
Segundo os historiadores, os mineiros bolivianos rendiam honras ao Tio antes da chegada dos espanhóis.

A cultura Uru

Para aproximar à imagem deste misterioso personagem, é necessário remontar à cultura Uru. Os urus foram os povoadores mais antigos do Continente Americano, cuja formação data dos anos 1000 a 1500 a. C. Haviam se estabelecido na costa do Pacífico e na parte dos planaltos do Alto Peru. Concentrando-se em Paria, Orinoca, Salgar de Coipasa e às orlas dos lagos Titicaca, Poopó e Desaguadero que pertencem à atual Bolívia.

Viviam nas montanhas, em suas grutas de pedra e barro. Dizem que eram solitários e se sentiam bem nos locais mais recônditos do planalto andino. Eram destros na caça, comiam peixe cru, aves aquáticas, carne de lhama ou de porco. Hábeis, como eles sós, para os tecidos, cerâmica e diferente tipos de bordados.

Para os urus, prevalecia a ideia de que à cada fenômeno do Universo, correspondia outro fenômeno análogo. Isto é, os fenômenos teriam uma correspondência antagônica. Portanto, interpretavam seu meio como um mundo antagônico; onde o dia se contrapõe à noite, as sombras enfrentam à luz, o mar ao fogo, o bem ao mau e assim construíram seu mundo baseado em um sistema de dualismo.

A cultura Uru adorava ao seu deus Wari, deus do fogo que vivia nas montanhas, sendo possível que o antigo povo Uru considerasse a Wari como o princípio que animava o mundo. Como emanação do espírito universal. Esta conjetura tem por base a observação de que, em uru, hahuari significa alma.

O TIW

Ao mesmo tempo, o historiador e antropólogo de Oruro, Bolívia, Ramiro Condarco Morais, baseando em outros pesquisadores; põe em alto relevo uma interessante teoria:

"... algo notável consiste que ao longo de sua acidentada existência, o espírito da ururidade, viveu presidido por uma deidade que possuía o dom da "onipresença". É compreensível que os urus imaginem ao providencial reitor de sua existência, como um gênio que transita acima de águas, terras, pântanos e penhascos, mas que também habita, como eles, no fundo de suas cavernas, convertidas logo em veneração de metais suntuosos. 

Essa divindade recebeu o original nome de TIW, ou o Tio de nossos dias, que em língua uru equivale a "Protetor". A crença no TIW, deu local à criação de adoratórios, nos quais se rendia culto aos ídolos de pedra, representados por uma imagem antro-zoomorfa, cujo rosto com boca e olhos culmina por cima, de uma sorte de longas orelhas verticalmente dispostas sobre o conjunto, a maneira de chifres..."


As palavras do cronista espanhol, Vásquez de Espinoza, revelam este fato de grande importância histórica:

"... um grande edifício de pedras muito lavradas de notável grandeza... ...Há debaixo da terra grandes salas e aposentos tanto que há certa notícia que passa por debaixo o rio..."

Existem várias versões do mito entre Wari e os Urus. Para que o leitor compreenda melhor este mito e a relação Deus-Homem na cultura Uru, aqui vai alguns pontos de referência de duas versões:

Versão de Vicente Terán Erquicia:

"...Wari, semideus da mitologia da região do planalto, dormia nas entranhas da Serrania Ocidental. Sabendo que os homens rendiam culto a Pachacamac, (representado por Inti (sol), luminoso e bem-feitor), sentiu desejos de emular à luz solar. Com este desígnio tentou se apoderar da aurora, filha do sol. Frustrado seu propósito, descarregou sua vingança 'sobre os filhos de Inti'. Os urus deixaram-se levar pelo deus forasteiro, abandonando o culto ao sol... Voltaram-se ríspidos e esquivos, tomaram o rumo da rebelião e converteram-se em laickas e asiris (bruxos, feiticeiros) para atazanar e ferir ao próximo, conjurando nas sombras, falando com os espíritos malignos, manipulando sapos, víboras..."

Por manipulação dos urus, víboras, lagartos e sapos considerados como seus "prováveis mensageiros", infestavam os povoados. Todos temiam se aproximar do povo "maldito e destruidor...".

Mas um dia apareceu uma bela Ñusta (donzela do Império Incaico). Era formosa, branca e esbelta e falou aos urus em uma língua eufônica pedindo-lhes "a piedade e a solidariedade entre eles para a grandeza da raça protegida por Inti".

Wari enviou pelo sul, uma enorme serpente para que a devorasse. Então, Ñusta "brandindo flamejante espada, dividiu em duas parte o monstro que se retorcendo, morreu convertido em rochas. Pelo norte enviou Wari um enorme sapo. De certeiro golpe de funda, Ñusta transformou o sapo em pedra. Pelo leste avançava um gigantesco lagarto. Ñusta o decapitou, transformando-o em pedra. O sangue do réptil encharcou, formando a lagoa de Calacala. Das presas do lagarto saíram, então, milhões de formigas, que avançaram para o povoado dos urus. Novamente, um golpe de funda de Ñusta bastou para converter às formigas em dunas de areia. Ñusta então fincou uma cruz na cabeça do lagarto."
A Ñusta que salvou a Oruro das quatro pragas enviadas por Wari, dizem que era a Virgem de Socavón.

Versão obtida da tradição popular

Conta a lenda que quando chegaram os conquistadores com sua carga evangelizadora, os urus começaram a esquecer ao seu deus nativo Wari. Então foram castigados com pragas. "Wari enviou um grande sapo pelo norte, uma serpente pelo sul, formigas pelo oeste e um lagarto pelo leste.

Para salvá-los, chegou uma Ñusta, que se assemelha a uma Virgem e converteu em pedras e areia aos animais. Ñusta derrotou a Wari que desceu ao inferno."

Desta figura, equiparável com o Supay (ser dividido, diabo) andino, derivou o Tio ou dono da mina que, longe da concepção ocidental, nem é totalmente bom, nem totalmente mau.

Ñusta protetora dos urus por sua vez, era a Virgem de Socavón.
Com a evangelização dos urus, estes continuaram suas celebrações escondendo-se da inquisição, continuando suas tradições em ilhas e planícies.

A presença da cultura ocidental produziu um singular sincretismo religioso em virtude do qual, por trás do (Wari) andino, sintetizado no Tiw ou El Tio, foi transformado por sincretização no diabo universal, quem arrependido de seus pecados, se converteu em um devoto da Virgem.

El Tio:.
Aqui compartilho o estranho vídeo-clipe "Naughty Boy - La La La", compartilhado pelo cupincha Agatodemon, que possui cenas com El Tio e que foi a fagulha inicial que culminou nesta postagem:
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2 comentários:

  1. Sensacional essa postagem. Sou de origem peruana, fiz um trabalho de tcc sobre a cultura latino americana e desconhecia a lenda do El Tio. Fico muito honrada de ter minhas origens baseadas em uma cultura tão rica...

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  2. Estive em Oruro há poucos dias, e a história da Virgem de Socavón me deixou muito intrigado. É uma história rica.

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